segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ética, Psicologia e "assassinos"!

Segundo Leila Machado, “a ética não seria uma reprodução, mas uma criação; não seria uma aplicação de regras pré-estabelecidas, mas o uso de regras facultativas”. Assim, nos aproximamos da concepção normal/patológico proposta por canguilhem. Logo, o ser normal canguilheniano torna-se o ser ético Machadiano.
Porém, não é tal concepção que prevalece na contemporaneidade. O homem que vai à rádio pedindo escuta torna-se ser doente. A todo o momento os discursos Psi amolam suas facas, fabrica-se indivíduos, como nos aponta Baptista.
O que há em comum entre um pai que mata a filha, um ex-amante que esquarteja e joga o cadáver de sua ex-companheira aos cães e um homem que vai à rádio desesperado ameaçando cometer homicídio e suicídio e pedindo, apenas, para ser ouvido?
Os muitos profissionais Psi estão aí para responder. Tudo que escandaliza a sociedade, que põe em cheque suas muitas regras morais, é visto como transcendente dela e imanente ao indivíduo. Este - O indivíduo – em tais casos, não é visto ou entendido como constituído e constituinte das condutas sociais. As entendidas barbáries cometidas são imputadas ao indivíduo, unicamente ao indivíduo! É-nos mais cômodo enquanto sociedade.
Assim, para o indivíduo agora enfermo, busca-se explicação não para sua conduta, mas, sobretudo, para sua doença. Assistimos ao novo paradigma ético que permeia a contemporaneidade, a saber, a biologização da conduta social. Conquanto, assistimos a ascensão de um novo modo de subjetivação contemporâneo designado por Ortega como “sujeito cerebral”. Este termo resume adequadamente a redução da pessoa humana ao cérebro."A partir da concepções do homem e do sofrimento mental cada vez mais neurofisicalistas acaba-se adotando condutas profissionais medicalizantes de caráter universalista e reducionista". A psiquiatria medicamentosa volta a ocupar lugar de destaque e, mais do que nunca, não só se produz indivíduos como se produz usinas de produzir indivíduos – produção massificada e serializada de subjetividade!
O que há em comum entre o endemoninhado da idade média, os leprosos, prostitutas, venéreos e loucos da renascença, os alienados pelas paixões do século XIX e os que cometem crimes ditos hediondos na contemporaneidade é o enquadramento em categorias pré-determinadas, que mais fala sobre nossa incapacidade de conviver com o diferente e tão simplesmente escutar a respiração presa nas situações de terror, do que dos enquadrados por nós.
Ao enquadrarmos pessoas - falo enquadrarmos enquanto futura profissional Psi e como tal, exposta ao risco de também produzir massificamente subjetividade- em categorias definidas do que sejam a normalidade ou a patologia, a pomos sobe o regime da moralidade, esta entendida na perspectiva de Espinosa a qual se vincula tão somente à sobrevivência.
Moral contrapõe-se nesse sentido à ética. Ética, na mesma perspectiva de Espinosa, vincula-se à vida, pois ela é um “exercício da liberdade ou a própria experiência da liberdade. Esta se configura quando nossa potência de agir aumenta junto das produções coletivas e é contrária à servidão” . Assim, aprisionado os ditos loucos ou tirando-lhes suas humanidades sobe o jugo de um pretenso saber científico, elas perdem seu mais precioso valor, qual seja, a dignidade. Então, nos indaga Bauman: “uma vez privados desse valor, qual a vantagem de permanecerem vivas? O valor, o mais precioso valor dos humanos, o atributo sine qua non da humanidade, é uma vida digna, não a sobrevivência a qualquer custo”.
Devemos, portanto, tomar cuidado para na busca da sobrevivência de nosso próprio saber, não assassinarmos a humanidade de outros seres humanos, para que esse saber – e nos mesmos, como bem aponta Bauman – não sobreviva à morte de sua própria humanidade.

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